1
espelho verde não se sabe
de onde parte a vontade do vento
confins com os quais o vento confina
2
um paraíso entre uma ramagem e outra
e uma outra e
imagens que não se imaginam
por isso um paraíso
3
marcolini amigo este cálix (quieto)
este cálix é um breve estribrilho
um confim um paraíso uma música
uma náusea
4
a brisa em pleno brilho
vai-se sempiterno para o claro
exceto que uma claridade
sem margens abeira-nos
da escuridão mais aguçada
5
copo onde a pedra da luz faísca
pão solar gomo aberto
vinácea e divina ipásia
6
quando as palavras se tornam escuras
não é porque há algo de inefável nos objetos
a que elas se referem
há duas razões para que isso ocorra
uma
quando cremos que as palavras são realmente os objetos
que designam
e outra
quando nos convencemos de que
as palavras são melhores do que os objetos
7
o poeta é tolo porque acredita
que seu paraíso saltará da linguagem
o poeta é tolo porque acredita
que ficando à mercê das palavras
estará cumprindo pelo avesso
o desígnio que lhe foi conferido
sabe-se lá por quem:
dominá-las
8
a ficção à flor do fato
o fato dissipado pelas diversas dobras
e pregas da pele da ficção
9
ao menos um número
o seu rumor
ou um ramo farejado pelo vento
e assim mais leve que um número
10
a palavra insiste para que o lado maduro do dia
se resolva em sesta
daí para que a sesta seja feita de uma carnação
de açúcar é um parpadear de leque
11
para que uma coisa
sempre se torne outra
para que uma
passe pela outra
que uma atenda
pelo nome da outra
12
e não feito no início quando
cada coisa tinha o seu nome
e cada nome era um diminuto rosto
mas aqui
depois de mil e uma noites
quando cada coisa passa a ser
a sombra do próprio nome
porque um nome é
cada vez mais
chamado e chamuscado
por
outros nomes
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