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35 anos depois, poemas





[primeira redação: 1985; duas ou três alterações: 2020]

 

1

espelho verde não se sabe

de onde parte a vontade do vento

confins com os quais o vento confina

 

2

um paraíso entre uma ramagem e outra

e uma outra e

imagens que não se imaginam

por isso um paraíso

 

3

marcolini amigo este cálix (quieto)

este cálix é um breve estribrilho

um confim um paraíso uma música

uma náusea

                                                                                                                 

4

a brisa em pleno brilho

vai-se sempiterno para o claro

exceto que uma claridade

sem margens abeira-nos

da escuridão mais aguçada

                                   

5

copo onde a pedra da luz faísca

pão solar gomo aberto

vinácea e divina ipásia

                                              

6

quando as palavras se tornam escuras

não é porque há algo de inefável nos objetos

a que elas se referem

há duas razões para que isso ocorra

 

uma

quando cremos que as palavras são realmente os objetos

que designam

 

e outra

quando nos convencemos de que

as palavras são melhores do que os objetos

                               

7

o poeta é tolo porque acredita

que seu paraíso saltará da linguagem

 

o poeta é tolo porque acredita

que ficando à mercê das palavras

estará cumprindo pelo avesso

o desígnio que lhe foi conferido

 

sabe-se lá por quem:

dominá-las

                                                                               

8

a ficção à flor do fato

o fato dissipado pelas diversas dobras

e pregas da pele da ficção

                                   

9

ao menos um número

o seu rumor

ou um ramo farejado pelo vento

 

e assim mais leve que um número

 

10

a palavra insiste para que o lado maduro do dia

se resolva em sesta

daí para que a sesta seja feita de uma carnação

de açúcar é um parpadear de leque

 

11

para que uma coisa

sempre se torne outra

 

para que uma

passe pela outra

 

que uma atenda

pelo nome da outra

 

12

e não feito no início quando

cada coisa tinha o seu nome

e cada nome era um diminuto rosto

 

mas aqui

depois de mil e uma noites

 

quando cada coisa passa a ser

a sombra do próprio nome

porque um nome é

cada vez mais

chamado e chamuscado

por outros nomes

 

 


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