por Ronaldo Machado (http://www.solecismos.zip.net/)
O título do livro de Ronald Augusto é catafórico da poética que o sustenta: uma escrita vigorosa, severa, dura e mesmo ríspida na sua função poética, no seu constitutivo estético. Leia-se esta aspereza na perspectiva de sua produtividade textual, na sua potência de invenção e intervenção sobre a linguagem. E, justamente ai, é que se encontra toda a expertise do poeta. No assoalho duro é um livro onde a escritura se faz entre corrosiva e escarificante do senso-comum poético.
Um conjunto - um assoalho xadrez - de 18 poemas fricativos, escritos entre 1988 e 2006, dão volume ao magro livro.
“jejum ergo coroa destronante/ jejum disse jesucristo enquanto/ levava à testa renhidos picos// cesto vazio seco sem o pão ázimo/ nem azia nem pedrarias beco/ básico câmara contraespiã// movediça e especular/ desdobrando braços no mais íntimo/ do palácio elísio de kublai khan” (p.5)
Como a filosofia de Nietzsche, do qual Ronald é insistente leitor, No assoalho duro é um livro para espíritos livres e que poderia trazer em epígrafe a seguinte confissão: Doravante solitário e maldosamente desconfiado de mim tomei dessa forma, não sem desgosto, partido contra mim e por tudo o que precisamente a mim fazia mal e me era duro (...) (Nietzsche, Humano, demasiado humano, § 4)
A lírica de Ronald é solitária, desconfiada, descontente, partida contra si, mas que se deixa partilhar, que se deixa confiar, que contenta no descontentamento. No poema a seguir isso se evidencia:
“caminho cerrado trecho de via interior/ mergulho por escadaria/ meus faróis disparam um túnel na treva porosa/ fachopaco não alcanço nunca a desembocadura// ao longo/ pegadas no arco dessa não-parede/ impregnada de úmida música muda/ pequenas solertes pessoas/ só olhos flutuantes/ lagartixas de cera” (p.11)
O ritmo poético constrói a imagem mesma da comunicação poética do livro: a miopia da linguagem que busca seu leitor por uma estreita via da selva obscura e porosa (lacunar e corrosiva), que busca a experiência estética pelo túnel de degraus úmidos da escritura/leitura, cuja saída esta sempre aquém e além do aqui-agora.
Entenda-se: a miopia é inventada na lucidez, na vertigem do fazer poético. No assoalho duro é um livro marcado pelo signo de Lúcifer. Um livro onde a lucidez amarra imagem-ritmo-idéia e se exige no leitor, ensinando, ainda, que a poesia não é fácil e nem é facilitadora, mas que é convite à condição pensante:
“(...) eu pratico/ rendilhados de prata e ouro onde/ não há sequer/ limalha de ouro migalha alguma/ que disfarce a prata barata/ da casa// e bebo a verde esmeralda salut/ cifra da mater natura num/ frasco de bolso a meio de xerez/ em troca/ da pérola mórbida doença - afecção/ a que me afeiçôo - de um marisco/ moribundo (...)” (p.17)
O título do livro de Ronald Augusto é catafórico da poética que o sustenta: uma escrita vigorosa, severa, dura e mesmo ríspida na sua função poética, no seu constitutivo estético. Leia-se esta aspereza na perspectiva de sua produtividade textual, na sua potência de invenção e intervenção sobre a linguagem. E, justamente ai, é que se encontra toda a expertise do poeta. No assoalho duro é um livro onde a escritura se faz entre corrosiva e escarificante do senso-comum poético.
Um conjunto - um assoalho xadrez - de 18 poemas fricativos, escritos entre 1988 e 2006, dão volume ao magro livro.
“jejum ergo coroa destronante/ jejum disse jesucristo enquanto/ levava à testa renhidos picos// cesto vazio seco sem o pão ázimo/ nem azia nem pedrarias beco/ básico câmara contraespiã// movediça e especular/ desdobrando braços no mais íntimo/ do palácio elísio de kublai khan” (p.5)
Como a filosofia de Nietzsche, do qual Ronald é insistente leitor, No assoalho duro é um livro para espíritos livres e que poderia trazer em epígrafe a seguinte confissão: Doravante solitário e maldosamente desconfiado de mim tomei dessa forma, não sem desgosto, partido contra mim e por tudo o que precisamente a mim fazia mal e me era duro (...) (Nietzsche, Humano, demasiado humano, § 4)
A lírica de Ronald é solitária, desconfiada, descontente, partida contra si, mas que se deixa partilhar, que se deixa confiar, que contenta no descontentamento. No poema a seguir isso se evidencia:
“caminho cerrado trecho de via interior/ mergulho por escadaria/ meus faróis disparam um túnel na treva porosa/ fachopaco não alcanço nunca a desembocadura// ao longo/ pegadas no arco dessa não-parede/ impregnada de úmida música muda/ pequenas solertes pessoas/ só olhos flutuantes/ lagartixas de cera” (p.11)
O ritmo poético constrói a imagem mesma da comunicação poética do livro: a miopia da linguagem que busca seu leitor por uma estreita via da selva obscura e porosa (lacunar e corrosiva), que busca a experiência estética pelo túnel de degraus úmidos da escritura/leitura, cuja saída esta sempre aquém e além do aqui-agora.
Entenda-se: a miopia é inventada na lucidez, na vertigem do fazer poético. No assoalho duro é um livro marcado pelo signo de Lúcifer. Um livro onde a lucidez amarra imagem-ritmo-idéia e se exige no leitor, ensinando, ainda, que a poesia não é fácil e nem é facilitadora, mas que é convite à condição pensante:
“(...) eu pratico/ rendilhados de prata e ouro onde/ não há sequer/ limalha de ouro migalha alguma/ que disfarce a prata barata/ da casa// e bebo a verde esmeralda salut/ cifra da mater natura num/ frasco de bolso a meio de xerez/ em troca/ da pérola mórbida doença - afecção/ a que me afeiçôo - de um marisco/ moribundo (...)” (p.17)
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