diálogos com a literatura brasileira vol. II de marco vasques (floripa), lançado há pouco, numa co-edição ed. da ufsc e ed. movimento, enfeixa entrevistas com 14 escritores (péricles prade, sergio faraco, rodrigo garcia lopes e wilson bueno, entre outros) e poetas de um "sul no centro de outro brasil", como escreve dennis radünz em prefácio à obra. para silviano santiago, o poeta doublé de jornalista, marco vasques, "nas entrevistas, pergunta para obter dos companheiros de letras respostas que servem de portal de entrada na obra alheia", assim o leitor-fruidor pode conhecer melhor"os intrincados e misteriosos caminhos que percorre a criação literária".
publico,aqui, trecho da entrevista que concedi ao poeta marco vasques.
Você ministra oficinas e exerce crítica de poesia. Qual o maior desafio que um poeta tem que enfrentar ao optar pela poesia?
Se é verdade, como escreve Maiakóvski, que a poesia é toda uma viagem ao desconhecido, vamos concluir então que o desafio maior consiste no exercício mesmo desse gênero. Já os percalços mundanos envolvidos nesta escolha - e no meu caso, acho que nem posso falar em termos de “escolha”, pois desde o início já sabia que jamais seria um prosador -, isto é, a audiência restrita, o nenhum interesse por parte das editoras em publicar poesia, a quase verdade sobre a impossibilidade de remunerar o trabalho do poeta, a resistência à informação nova, etc., enfim, todos esses contratempos estão mais relacionados ao processo de equilíbrio/desequilíbrio de poder no seio do sistema literário. São falsos desafios. Traduzindo a idéia do poeta russo em termos mallarmeanos, o que interessa é esse mergulho solitário e ao mesmo tempo solidário (porque não se pode dar as costas ao legado da tradição) no branco, no vazio insondável do papel, ou da tela luminosa, em busca de alguma espécie de linguagem.
Como driblar todas essas dificuldadas impostas ao fazer poético?
Quando se pensa a poesia como “beleza difícil”, tudo muda de figura. Isto é, não são dificuldades exteriores que “se impõem” ao fazer poético, mas, antes, a poesia, compreendida aqui como design de linguagem, é que pressupõe certas dificuldades. A poesia incita o leitor a um grau maior de exigência. Não sei se meu percurso textual representa um drible nessas dificuldades a que você se refere. Na verdade, prefiro ir mais margeando que tentar rivalizar com a burrice ou conquistar um lugar de consagração dentro do ambiente literário. Minha estratégia é a de usar um mínimo de esforço visando um máximo de resultado. Aprendi isso com a poesia: um mínimo de retórica para um máximo de significação. Claro que por detrás deste mínimo há um trabalho absurdo, mas o leitor não precisa ser lembrado disso. Assim, publico pouco e meus livros têm tiragens bastante reduzidas. Confissões Aplicadas é exceção, sua tiragem é de quinhentos exemplares. No entanto, isso não impediu que meu trabalho fosse traduzido para outras línguas e estudado, por exemplo, em universidades alemãs e norte-americanas. Em resumo: não me ocupo com as dificuldades impostas pela mediania do embate cultural, escrevo minha poesia sem esperar demais da recepção. Quando há interessados estou disposto a dialogar.
Qual o verdadeiro papel da crítica literária?
Tal como o poeta, o prosador ou o dramaturgo, o crítico é, antes de tudo, um leitor. A crítica que ele é capaz de produzir sobre determinado objeto artístico, não é senão uma leitura. Existe uma vontade de interpretação correlata a uma vontade de representação. O fazer, o saber e o julgar implicados na atividade crítica, devem ser colocados numa perspectiva provisória. Um bom poema não admite solução. A crítica não tem que resolver nada.
Fala-se muito sobre a utilidade da poesia. Leminski defende a in-utilidade dela. Oscar Wilde vai mais longe diz que a arte propriamente dita é inútil. Claro que são metáforas que acabam reforçando a força da arte. Como você encara essa questão da utilidade ou inutilidade da poética e da arte?
Acho que mais do que reforçando, eles estão mesmo é problematizando a força da arte, e isso é bom porque por meio dessa suspeição irônica nos tornamos mais aptos para compreender a arte e a poesia numa dimensão menos grandiloqüente ou menos esperançosa em relação ao seu poder de fogo. A questão da inutilidade da poesia, embora seja um dos assuntos prediletos de uma linhagem de poetas-críticos que vem desde o alto modernismo e chega até à poesia pós-utópica do agora-agora, não é um problema que diga respeito apenas às preocupações estéticas desses sujeitos. Platão, por exemplo, dedicou muita atenção e energia ao tema. O filósofo percebeu que, na arte da poesia, a função referencial da linguagem centrada no receptor era praticamente anulada ou no mínimo colocada em plano secundário. De acordo com a poética clássica, a poesia corresponde ao belo imperfeito, isto é, o que predomina neste gênero é a ficção e a fantasia, portanto não faz sentido que se lhe exija qualquer veleidade pedagógica ou moralizante. Platão tem em mira o belo perfeito, a obra poética em que se realiza a união do útil ao agradável. Drummond chega à mesma conclusão, mas a formula de outro modo, quando diz que a poesia é uma linguagem de poucos instantes. Cada poema inaugura e exaure a chance de uma linguagem. Já a prosa é a linguagem de todos os instantes, um sistema de signos em torno do qual estabelecemos convenções que possibilitam o funcionamento da vida cotidiana. A poesia não põe as coisas nos eixos. Faz vacilar as bases do edifício da República.
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