Borges afirmava, já no final da década de 1960, que o romance estava em declínio. Ao mesmo tempo defendia e projetava (como valores) a continuidade da história e da narrativa. O poeta argentino escrevia àquela altura que não veremos o dia em que “os homens se cansarão de contar e ouvir histórias”. O cinema, até meados do século 20, confirma em parte a previsão de Borges, ou seja, a sétima arte contribui para o encerramento do discurso romanesco, mas não deixa de lado a história nem as formas vertiginosas de narração. Pode-se dizer que a maioria dos realizadores ainda deposita bastante confiança nos poderes persuasivos da história, ainda que contada através das imagens. O diretor Raoul Walsh (Seu último refúgio, 1941) costumava dizer: “Se você não tem a história, você não tem nada!” (apud Martin Scorsese).
Por outros atalhos Borges se aproxima das ideias defendidas por Theodor W. Adorno. No ensaio “Posição do narrador no romance contemporâneo”, Adorno propõe o seguinte paradoxo: “não se pode mais narrar, embora a forma do romance exija a narração”. Para as condições atuais, mais anacrônico do que trazer à cena a argumentação do filósofo compositor a propósito do declínio da narrativa, talvez seja a aguda menção à “forma do romance”. Alguns caracterizarão isso como uma contradição entre termos. Forma? Alguém já disse que esconjurar um poema chamando-o de formal, é tautológico, pois poesia é forma, mesmo. Não foi à toa que a forma do romance só incorporou novas tensões e dimensões quando alguns prosadores resolveram tratar sua linguagem com um apetite de poetas. Esses prosadores da linguagem perceberam que a capacidade de conter artisticamente a mera existência (mimese artesanal) era uma impostura. Mas hoje o romance é sinônimo de passatempo cult, e não de forma.
O romance contemporâneo (situemos sua abrangência, mais ou menos, desde o final do século 19 até agora), segundo Adorno, substitui a narração heroica, ao mesmo tempo em que a transforma em decorrência do subjetivismo do narrador, “que não tolera mais nenhuma matéria sem transformá-la, solapando assim o preceito épico da objetividade”. Em Morte em Veneza, por exemplo, acompanhamos os torneios de um narrador que tenta neutralizar a falência do próprio discurso, sua voz desce da épica ática para o solilóquio agônico. A passagem do discurso afirmativo do falo (epos) para o discurso intrincado do ônfalo (ego). Para Adorno o romance perdeu muitas de suas funções para a reportagem e para o cinema.
A visão joyceana que conjuga a ruptura com o realismo a uma ruptura com a linguagem discursiva foi esquecida pelos escritores de romances. Constantes em sua indiferença à objeção adorniana, segundo a qual o romance – tendo em vista a superação de sua crise de forma – precisaria se concentrar naquilo de que não é possível dar conta por meio do relato, os romancistas só querem saber de escrever histórias que se tranformem em filmes. Romances que não serão mais lidos (pois isto supõe releitura), mas vistos por comedores de pipoca.
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