Skip to main content

suma filosofal do blogueiro a propósito da poesia



Cada poema é um lance no jogo de conquista – ou de negaceio – do impreciso.

A rigor a poesia não esclarece coisa nenhuma.

A poesia não se presta à transmissão de mensagens sem rasuras.

A mensagem poética tende a ser ambígua.

O fazer da poesia, que é afasia (distúrbio de linguagem e de comunicação), parece pretender ficar rente àquelas zonas mais obscuras e insondáveis da experiência.

O movimento sígnico da poesia em realidade busca não dissimular, mas sim problematizar um aspecto crítico da linguagem, ao qual não se dá a devida atenção, a saber: a crença infundada de que apenas uma linguagem articulada (a prosa, por exemplo) e seu corolário – uma objetividade desinteressada e quase transparente -, é capaz de iluminar e decodificar o íntimo dos seres e das coisas.

Mais do que “signo tradutor por excelência”, a palavra como legenda se depara o tempo todo com as suas margens e sua arbitrariedade.

O poeta exercita formas vertiginosas do signo linguístico.

O poema é um compósito de signos.

Não há, propriamente falando, um logos estável – conteúdo duro – encarnado de uma vez para sempre no poema.

Toda obra criativa está condenada a algum índice de novidade, pois cada poema inaugura e exaure uma chance de linguagem.

Como todo indivíduo, o poema carrega em seu centro aquele bit informacional que o singulariza diante dos seus pares.

O poema é irrepetível.

A (im)pertinência comunicativa da poesia volta a fazer sentido na mesma medida em que a pós-modernidade ou um suposto “pós-tudo” instauram a nulidade de qualquer reação moral e a defesa, na esfera estética, do novo pelo novo sem conexão com o passado.

Enquanto os conceitos perdem consistência e clareza, a poesia persiste naquilo que sempre foi a marca de sua intrínseca originalidade transgressora, a saber, linguagem que beira o silêncio, silêncio na iminência de converter-se em linguagem desprovida de falantes. Som e pausa. Um mínimo de retórica, para um máximo de significação.

O poeta, ao carregar a linguagem de significado, não objetiva outra coisa senão subverter a visão, não raro deturpada, da realidade que nos condiciona.

Na comunicação poética, ao invés de uma “mensagem” – um conteúdo duro, situado, como se fora possível, antes ou depois da fatura mesma do poema -, o que se comunica é um poema, esta verdadeira tensão-coesão de som e sentido.

O poema “de saída” criado pelo poeta não é o mesmo poema “de chegada”; neste ponto de dobra o leitor o frui na liberdade do seu silêncio, na música do seu pensamento ou, ainda, no ritmo da sua enunciação vocal.

A signagem poética, ao fim e ao cabo, não diz o que vai no mais íntimo do silêncio ou do vazio metafísicos.

A poesia, a par de sua efemeridade (um acabar-começar de linguagem), tenta comunicar por meio de procedimentos estéticos e formais (rima, aliteração, paronomásia, metro, espaços em branco, etc.), isto é, tenta plasmar, ou presentificar como coisa-pensamento, como signo, aquilo de que, antes, não se podia falar.

A poesia é, por definição, linguagem em crise (em outras palavras, criativa), ser de linguagem, coisa-pensamento com vocação metalingüística, lugar em que os dilemas fundamentais de uma época são problematizados a partir dos seus estratos sígnicos.

(obrigado ao Aldo Votto, meu amigo, que transformou alguns dos meus textos nesta coleção de aforismos)


Comments

Susanna said…
Perfeito Ronaldo! O passo agora é perceber isso tudo no gesto crítico de leitura do poema, movimento lento e difícil, mas extremamente excitante por ser um movimento de descoberta.
Bjs!
Paulo de Toledo said…
bacaníssimos, os aforismos!
tb tenho um:
POESIA É A ARTE DE TRANSFORMAR SIGNOS SIMBÓLICOS EM SIGNOS ICÔNICOS.
abbracci
Álvaro Andrade said…
poesia é escrever confusão
como se fosse acerto.

Popular posts from this blog

nepotismo!

Amaralina Dinka, minha filha caçula de 11 anos, escreveu seu primeiro poema e me pediu para publicá-lo aqui no blog. Ela quer receber críticas e comentários. A MOCINHA FELIZ Eu acordei bem sapeca Parecendo uma peteca Fui direto pra cozinha Tomar meu café na caneca Na escola eu aprendi A multiplicar No recreio fui brincar Cheguei em casa Subi a escada Escorreguei, Caí no chão Mas não chorei Na hora de jantar Tomei meu chá Na minha janela Vi uma mulher tagarela.

Eduardo Costley-white e o sentimento de Moçambique

Eduardo Costley-white Conheci o poeta Eduardo Costley-white em São Paulo, se não me engano no ano de 1987, durante o I Encontro Internacional de Escritores Negros , governo Franco Montoro. Graças a esse acontecimento que não nos entediou de modo nenhum, mantivemos um contato diário ao longo de quase uma semana levando a cabo uma divertida troca de ideias e de poemas. De imediato me identifiquei com Eduardo e com Marcelo Panguana (outro grande escritor moçambicano da delegação), principalmente pelo fato de sermos da mesma geração. Hoje vejo nisso a razão pela qual não encontrei a mesma satisfação no contato com a delegação angolana que, não obstante ser composta por alguns poetas importantes (Manuel Rui e Ruy Duarte de Carvalho, por exemplo), era formada, grosso modo, por um pessoal de uma geração uns vinte anos mais velha do que a nossa. Como normalmente acontece, depois de encontros entusiasmantes e cheios de expectativas, o repentino afastamento é engolido pelo contínuo da

de lambuja, um poema traduzido

Ivy G. Wilson Ayo A. Coly Introduction Callaloo Volume 30, Number 2, Spring 2007 Special Issue: Callaloo and the Cultures and Letters of the Black Diaspora.To employ the term diaspora in black cultural studies now is equal parts imperative and elusive. In the wake of recent forceful critiques of nationalism, the diaspora has increasingly come to be understood as a concept—indeed, almost a discourse formation unto itself—that allows for, if not mandates, modes of analysis that are comparative, transnational, global in their perspective. And Callaloo, as a journal of African Diaspora arts and letters, might justly be understood to have a particular relationship to this mandate. For this special issue, we have tried to assemble pieces where the phrase diaspora can find little refuge as a self-reflexive term—a maneuver that seeks to destabilize the facile prefigurations of the word in our current critical vocabulary, where its invocation has too often become idiomatic. More critically, we