Skip to main content

Diálogo entre dois homens velhos e inteligentes

foto: rogério gil

desenho de raul pompéia


Aires

A opção pelo verso livre só se justifica quando o que está em jogo é a conquista de um conceito extremamente original e conciso, compreende?

Aguiar

É de supor que haja uma necessária dose de prosa no resultado desse “conceito” em verso-livre, mas que, no entanto, não soe como obra de um “redator publicitário em férias” e vagamente interessado em poesia.

Aires

Defendo o verso com ritmo e rima final e/ou interna em todos os outros casos, cuidando, porém, para que o poema seja um organismo com vida própria, que não dependa, portanto, de uma ou outra interpretação.

Aguiar

Aires, meu velho, o poema não depende de nenhuma interpretação. Além disso, é da natureza do poema sugerir uma série infinita delas (de interpretações) que se anulam num ponto de fuga, do contrário não seria obra de arte, nem poema. E se o poema é um “organismo com vida própria”, quem poderá obrigá-lo a ostentar rimas, ritmos institucionalizados e ornatos que tais?

Aires

Concordo, concordo. Mas, o amigo não esqueça que a poesia é uma linguagem convencional, ou seja, ela estabelece modelos, paradigmas de forma e de sensibilidade. Entretanto, gostaria de insistir no tema relativo à tensão entre prosa e poesia. Prosa poética, no meu entender, é obra em prosa, não é poema. O que me dizes?

Aguiar

Respondo com o Houaiss na mão. Há uma definição nele sobre o verso livre que diz: o verso livre baseia seu efeito poético sobretudo no ritmo, corolário: a intervenção da prosa no poema é interessante, entretanto, o verso que lhe é constitutivo não pode resultar frouxo, liso, etc. Agora, cá entre nós, prosa poética sempre me pareceu uma impostura, e, por amor à rima, eu ainda teria a palavra “frescura” para usar nos casos extremos.

Aires

Por trás de uma avaliação deve haver critérios objetivos, meu caro Aguiar, além do subjetivo, que jamais deve ser posto de lado, compreende?

Aguiar

No entanto, são os desvios subjetivos do senso crítico que, na maioria dos casos, lançam a análise objetiva em novas situações, profundezas e superfícies de leitura. A propósito, no Brás Cubas, Machado inventa a metáfora da “faca do raciocínio”. O homem, veja você, além de bruxo era um cabralino avant-la-lettre!

Comments

Popular posts from this blog

nepotismo!

Amaralina Dinka, minha filha caçula de 11 anos, escreveu seu primeiro poema e me pediu para publicá-lo aqui no blog. Ela quer receber críticas e comentários. A MOCINHA FELIZ Eu acordei bem sapeca Parecendo uma peteca Fui direto pra cozinha Tomar meu café na caneca Na escola eu aprendi A multiplicar No recreio fui brincar Cheguei em casa Subi a escada Escorreguei, Caí no chão Mas não chorei Na hora de jantar Tomei meu chá Na minha janela Vi uma mulher tagarela.

Eduardo Costley-white e o sentimento de Moçambique

Eduardo Costley-white Conheci o poeta Eduardo Costley-white em São Paulo, se não me engano no ano de 1987, durante o I Encontro Internacional de Escritores Negros , governo Franco Montoro. Graças a esse acontecimento que não nos entediou de modo nenhum, mantivemos um contato diário ao longo de quase uma semana levando a cabo uma divertida troca de ideias e de poemas. De imediato me identifiquei com Eduardo e com Marcelo Panguana (outro grande escritor moçambicano da delegação), principalmente pelo fato de sermos da mesma geração. Hoje vejo nisso a razão pela qual não encontrei a mesma satisfação no contato com a delegação angolana que, não obstante ser composta por alguns poetas importantes (Manuel Rui e Ruy Duarte de Carvalho, por exemplo), era formada, grosso modo, por um pessoal de uma geração uns vinte anos mais velha do que a nossa. Como normalmente acontece, depois de encontros entusiasmantes e cheios de expectativas, o repentino afastamento é engolido pelo contínuo da

de lambuja, um poema traduzido

Ivy G. Wilson Ayo A. Coly Introduction Callaloo Volume 30, Number 2, Spring 2007 Special Issue: Callaloo and the Cultures and Letters of the Black Diaspora.To employ the term diaspora in black cultural studies now is equal parts imperative and elusive. In the wake of recent forceful critiques of nationalism, the diaspora has increasingly come to be understood as a concept—indeed, almost a discourse formation unto itself—that allows for, if not mandates, modes of analysis that are comparative, transnational, global in their perspective. And Callaloo, as a journal of African Diaspora arts and letters, might justly be understood to have a particular relationship to this mandate. For this special issue, we have tried to assemble pieces where the phrase diaspora can find little refuge as a self-reflexive term—a maneuver that seeks to destabilize the facile prefigurations of the word in our current critical vocabulary, where its invocation has too often become idiomatic. More critically, we