Aires
A opção pelo verso livre só se justifica quando o que está em jogo é a conquista de um conceito extremamente original e conciso, compreende?
Aguiar
É de supor que haja uma necessária dose de prosa no resultado desse “conceito” em verso-livre, mas que, no entanto, não soe como obra de um “redator publicitário em férias” e vagamente interessado em poesia.
Aires
Defendo o verso com ritmo e rima final e/ou interna em todos os outros casos, cuidando, porém, para que o poema seja um organismo com vida própria, que não dependa, portanto, de uma ou outra interpretação.
Aguiar
Aires, meu velho, o poema não depende de nenhuma interpretação. Além disso, é da natureza do poema sugerir uma série infinita delas (de interpretações) que se anulam num ponto de fuga, do contrário não seria obra de arte, nem poema. E se o poema é um “organismo com vida própria”, quem poderá obrigá-lo a ostentar rimas, ritmos institucionalizados e ornatos que tais?
Aires
Concordo, concordo. Mas, o amigo não esqueça que a poesia é uma linguagem convencional, ou seja, ela estabelece modelos, paradigmas de forma e de sensibilidade. Entretanto, gostaria de insistir no tema relativo à tensão entre prosa e poesia. Prosa poética, no meu entender, é obra em prosa, não é poema. O que me dizes?
Aguiar
Respondo com o Houaiss na mão. Há uma definição nele sobre o verso livre que diz: o verso livre baseia seu efeito poético sobretudo no ritmo, corolário: a intervenção da prosa no poema é interessante, entretanto, o verso que lhe é constitutivo não pode resultar frouxo, liso, etc. Agora, cá entre nós, prosa poética sempre me pareceu uma impostura, e, por amor à rima, eu ainda teria a palavra “frescura” para usar nos casos extremos.
Aires
Por trás de uma avaliação deve haver critérios objetivos, meu caro Aguiar, além do subjetivo, que jamais deve ser posto de lado, compreende?
Aguiar
No entanto, são os desvios subjetivos do senso crítico que, na maioria dos casos, lançam a análise objetiva em novas situações, profundezas e superfícies de leitura. A propósito, no Brás Cubas, Machado inventa a metáfora da “faca do raciocínio”. O homem, veja você, além de bruxo era um cabralino avant-la-lettre!
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