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augusto de campos e o fogo-amigo dos cortesãos




Alguém já disse que a expressão “poesia formalista” — usada como pecha — seria uma redundância, porquanto, poesia é forma, mesmo. Ou seja, no poema o que se entende por “conteúdo” não guarda em si nada daquela dimensão de “preenchimento com algo de profunda relevância”, já que ele, em fim de contas, resulta em uma função da forma ou em um elemento formal plástico como o pensamento – e nem menor, nem maior que outros – integrado, por sua vez, ao construto da obra.
Por outro lado, a ideia de poesia comercial ou de uma forma lírica palatável à tolerância do leitor intolerante com o eventual fine excess de tal linguagem, pode ser interpretada como uma contradição entre termos, já que em torno à área semântica do substantivo comércio, aprendemos a reconhecer, de modo figurado, a comunicação (de algo) e/ou a relação estreita entre pessoas. Mas, o poema trata-se de um hipossigno, vale dizer, ele não se refere senão a si mesmo. Esta ideia de poesia comercial pressupõe a projeção do útil sobre o fruível, tanto no que respeita ao tratamento, como à recepção da linguagem aqui em questão. Há poesia ruim, quanto a isso podemos entrar em um acordo. Mas, se é comercial há chance de que não seja bem poesia. Ao mesmo tempo, como se remunera o trabalho de um poeta sem que um contrato dessa espécie não resulte na sua corrupção? E como relacionar à “eficiência de rebanho”, requerida pelo modo capitalista de produção, o fracasso e o impreciso constitutivos da prática poética que é, antes, improdutiva, impertinente e não-utilitária?
Portanto, a indignação estetizante de Augusto de Campos, dizendo, num seu poema, que “não se vende”, além de ser redundante, tem algo de moralismo teatral. Talvez tenha faltado ao poetamenos, ao poeta da mudez e do “ex-tudo”, aprender a lição de Pessoa/Ricardo Reis, pois em uma das odes do heterônimo pode-se ler o seguinte: “Cala e finge./ Mas finge sem fingimento”. A condição mesma do poema como ser de linguagem inadequado à comunicação do que quer que seja, exceto à comunicação de sua própria realidade sígnica, já o consagra como coisa invendável. Não é necessário que disso se faça uma bandeira.
Mas a bandeira mais histriônica que se ergue nem chega a ser a do poeta. E sim a dos seus seguidores e leitores tão devotos quanto, em alguns casos, a ignorância os convida a ser. Verifiquei essa espécie de reação atabalhoada, esse fogo-amigo em defesa de Augusto de Campos (como se ele fosse um tipo de patrimônio material/imaterial tombado pelos órgãos competentes) quando da publicação do ensaio de Luis Dolhnikoff (ver: http://www.sibila.com.br/index.php/a-vanguarda-como-estereotipo-uma-analise-da-poesia-de-augusto-de-campos) dedicado e investigar alguns padrões estéticos e compositivos do importante poeta.
Encontrei textos de gente, que eu julgava ponderada, perguntando antes de qualquer leitura: “mas, quem é esse sujeito?”. E em um tom que queria dizer “você sabe de quem está falando?”. O aviso desses secretários cretinos endereçado a Luis Dolhnikoff parece supor uma advertência pseudo-aristocrática: cuidado com quem você se mete. Mas, a julgar pelo silêncio de Augusto de Campos, esse quem ressentido é o dos próprios seguidores que tomaram (a juros elevados, pois um dia irão cobrar um prefácio, uma orelha ao mestre) as dores do vietcong concreto. Outros ainda, orgulhosos de afirmar que não iriam perder tempo lendo um texto ofensivo ao poeta dos seus cuidados, resolveram “rebater” as análises do crítico bisbilhotando alguns dos seus poemas. O resultado óbvio: odiaram frontalmente os poemas de Dolhnikoff. Tentaram borrar uma ficção com outra. A covardia e a preguiça, que os impediu de ler, mas não de julgar, o texto do crítico, nutriu a segunda impostura: por ser, do ponto de vista deles, um poeta ruim, é claro que só poderia escrever o que escreveu sobre Augusto de Campos.
Mas tudo isso não passa de vaidade. Pois a réplica desses seguidores às objeções e críticas de Luis Dolhnikoff relativamente à poesia de Augusto, dá mostras de que eles se sentiram indevidamente questionados em sua devoção ao poeta; como se ela fosse em vão, um desperdício de tempo e afeto. É como se Luis Dolhnikoff lhes fizesse a embaraçosa pergunta: “ó, chupins, vocês não observaram que isso é possível?”. Não é que Augusto de Campos seja uma falcatrua poética; não, pelo contrário. Mas o fato é que seus seguidores – confusos pois o texto fez com que talvez suspeitassem de algo – reagiram como crianças teimosas, isto é, resistindo de modo obtuso a uma abordagem que não se rendeu à mistificação menos leal que interesseira em que se espojam, pois esta mistificação concede mais sobrevida a eles do que ao objeto de seu culto. A continuação desse ambiente de festejo acrítico ao poeta lhes garante uma existência, mesmo que esta se restrinja à forma mais baixa de cortesania.

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