Monteiro Lobato(mia): a ação movida, junto ao Supremo Tribunal Federal, pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental pedindo providências para o fato de o livro Caçadas de Pedrinho conter elementos racistas, vem rendendo um belo debate em várias esferas. A seguir alguns momentos de um debate travado com amigos e desafetos no espaço do Facebook.
Sobre a falácia de que as opiniões do autor são "produto de um tempo" e, portanto, deveriam ser relevadas: quem defende Monteiro Lobato ou põe em causa a crítica a que o escritor está sendo submetido procura edulcorar o lado ku klux klan do autor do Sítio do Picapau Amarelo como sendo um mero produto de um tempo, e assim as críticas do presente seriam inapropriadas. Mas se havia (e houve) gente que pensava diferente na mesma época em que esse senhor viveu, então, as posições de Lobato eram passíveis de críticas e de questionamentos também à sua época. Portanto, ele não foi o simples produto de um tempo, ele escolheu ou se decidiu intelectualmente (tanto que escreveu a respeito e atuou como pode nessa direção) por um viés interpretativo da formação brasileira que recusava e/ou recusa (ainda em algumas esferas) a condição humana ao negro.
E se é verdadeira a noção de que um artista (embora nomeá-lo assim seja excessivo) está sempre à frente do seu tempo, isso só comprova a minha suspeita de que, além de andar na retaguarda de seu tempo, o Seu Lobato ainda era um escritor de segunda categoria.
Tem gente que diz que não se pode confundir as ofensas aos negros presentes em muitos textos de Lobato com "ódio racial", que não se trata disso. Essa noção de "ódio racial" versus "suposto racismo do Lobato" (como gostam de dizer seus seguidores) me faz evocar uma recente afirmação completamente estúpida do Ziraldo (um dos que tentam tapar o sol com a peneira relativamente ao racismo eugênico de Lobato), disse o cartunista: "só existe racismo se há ódio, se não há ódio não é racismo", é assim que Ziraldo defende o doce racismo de Lobato. Trata-se, ainda, da tese furada da "cordialidade racial brasileira" que seria melhor do que, por exemplo, o apartheid.
Outros contratacam dizendo que todo esse recall crítico significa apenas bater num velhinho morto, mas na verdade a crítica mais relevante não quer queimar a obra jeca do autor, estamos discutindo a ideologia e as distorções que ela tão bem representa; na verdade essa resistência (de maioria branca, sejamos francos) não passa da conhecida e senhorial esperança de que o preconceito não seja discutido publicamente. O temor de que a Senzala se revolte contra a Casa-grande.
Eufemismo: as "eventuais impropriedades" de Lobato; o racismo cordial nos impôs a ética do "deixa disso" e dos "panos quentes".
Toda ou quase toda reação/resposta de negros ao racismo (seja lá qual a forma que esse racismo assuma) invariavelmente é lida como "uma atitude de uma violência igual ou pior do que o racismo"; esse é o argumento mais velhaco que existe para desqualificar o ponto de vista de quem sabe onde o calo aperta. De novo a inserção de Lobato no "contexto histórico": essa blindagem é nefasta porque protege uma infinidade de calhordas e de imposturas, sustenta a noção de que "eles foram vítimas da ignorância do tempo em que viveram"; no fim das contas, a defesa de Monteiro Lobato, embora admitindo a contragosto as ditas “impropriedades”, reforça a minha ideia de que não se pode ler Lobato com essa pureza infantil d'alma, afinal, a leitura desse autor enseja, como dizem seus cortesãos, "professores bem preparados para debater o tema do racismo de forma inteligente, induzindo os alunos à reflexão e a formar opinião de acordo com a própria consciência", voilá, Monteiro Lobato precisa de notas críticas, e essas que venho escrevendo, embora não sejam as preferidas dos despachantes da Casa-grande vão no caminho de colaborar com o refinamento da observação do leitor.
Por fim, a resistência dos nostálgicos do Sítio do Pica pau Amarelo à recente revisão operada por negros e brancos interessados num debate franco, indica que eles se sentiram indevidamente questionados em sua devoção ao prosador jeca-tatu; como se essa fidelidade tivesse sido em vão, um desperdício de tempo e afeto, como se suas infâncias dominicais, num simples virar de páginas, escorressem pelo ralo da história; como se essa crítica os desentranhasse de uma cômoda ingenuidade. É como se, nós, críticos intolerantes, lhes fizéssemos a embaraçosa pergunta: "ô, otários, vocês nunca consideraram que tal leitura fosse possível?”.
Sobre a falácia de que as opiniões do autor são "produto de um tempo" e, portanto, deveriam ser relevadas: quem defende Monteiro Lobato ou põe em causa a crítica a que o escritor está sendo submetido procura edulcorar o lado ku klux klan do autor do Sítio do Picapau Amarelo como sendo um mero produto de um tempo, e assim as críticas do presente seriam inapropriadas. Mas se havia (e houve) gente que pensava diferente na mesma época em que esse senhor viveu, então, as posições de Lobato eram passíveis de críticas e de questionamentos também à sua época. Portanto, ele não foi o simples produto de um tempo, ele escolheu ou se decidiu intelectualmente (tanto que escreveu a respeito e atuou como pode nessa direção) por um viés interpretativo da formação brasileira que recusava e/ou recusa (ainda em algumas esferas) a condição humana ao negro.
E se é verdadeira a noção de que um artista (embora nomeá-lo assim seja excessivo) está sempre à frente do seu tempo, isso só comprova a minha suspeita de que, além de andar na retaguarda de seu tempo, o Seu Lobato ainda era um escritor de segunda categoria.
Tem gente que diz que não se pode confundir as ofensas aos negros presentes em muitos textos de Lobato com "ódio racial", que não se trata disso. Essa noção de "ódio racial" versus "suposto racismo do Lobato" (como gostam de dizer seus seguidores) me faz evocar uma recente afirmação completamente estúpida do Ziraldo (um dos que tentam tapar o sol com a peneira relativamente ao racismo eugênico de Lobato), disse o cartunista: "só existe racismo se há ódio, se não há ódio não é racismo", é assim que Ziraldo defende o doce racismo de Lobato. Trata-se, ainda, da tese furada da "cordialidade racial brasileira" que seria melhor do que, por exemplo, o apartheid.
Outros contratacam dizendo que todo esse recall crítico significa apenas bater num velhinho morto, mas na verdade a crítica mais relevante não quer queimar a obra jeca do autor, estamos discutindo a ideologia e as distorções que ela tão bem representa; na verdade essa resistência (de maioria branca, sejamos francos) não passa da conhecida e senhorial esperança de que o preconceito não seja discutido publicamente. O temor de que a Senzala se revolte contra a Casa-grande.
Eufemismo: as "eventuais impropriedades" de Lobato; o racismo cordial nos impôs a ética do "deixa disso" e dos "panos quentes".
Toda ou quase toda reação/resposta de negros ao racismo (seja lá qual a forma que esse racismo assuma) invariavelmente é lida como "uma atitude de uma violência igual ou pior do que o racismo"; esse é o argumento mais velhaco que existe para desqualificar o ponto de vista de quem sabe onde o calo aperta. De novo a inserção de Lobato no "contexto histórico": essa blindagem é nefasta porque protege uma infinidade de calhordas e de imposturas, sustenta a noção de que "eles foram vítimas da ignorância do tempo em que viveram"; no fim das contas, a defesa de Monteiro Lobato, embora admitindo a contragosto as ditas “impropriedades”, reforça a minha ideia de que não se pode ler Lobato com essa pureza infantil d'alma, afinal, a leitura desse autor enseja, como dizem seus cortesãos, "professores bem preparados para debater o tema do racismo de forma inteligente, induzindo os alunos à reflexão e a formar opinião de acordo com a própria consciência", voilá, Monteiro Lobato precisa de notas críticas, e essas que venho escrevendo, embora não sejam as preferidas dos despachantes da Casa-grande vão no caminho de colaborar com o refinamento da observação do leitor.
Por fim, a resistência dos nostálgicos do Sítio do Pica pau Amarelo à recente revisão operada por negros e brancos interessados num debate franco, indica que eles se sentiram indevidamente questionados em sua devoção ao prosador jeca-tatu; como se essa fidelidade tivesse sido em vão, um desperdício de tempo e afeto, como se suas infâncias dominicais, num simples virar de páginas, escorressem pelo ralo da história; como se essa crítica os desentranhasse de uma cômoda ingenuidade. É como se, nós, críticos intolerantes, lhes fizéssemos a embaraçosa pergunta: "ô, otários, vocês nunca consideraram que tal leitura fosse possível?”.
Comments