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aranha versus racismo




Proêmio

Que seja leve mais essa pá de cal lançada sobre o gesto inócuo do jogador Daniel Alves que resolveu comer a banana do racismo.


Por ironia propus em minha página no facebook que o senhor Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, ex-presidente do Grêmio, fizesse jus ao troféu “Imbecil da Semana” por afirmar recentemente em um programa de rádio que ofensas raciais fazem parte do “folclore do futebol”. Tudo bem, esse senhor tem o direito de afirmar o que quiser, o problema é que a sua afirmação não dá a menor atenção à questão do preconceito naturalizado no interior da sociedade brasileira, pelo contrário, acaba mesmo por reforçá-lo, pois ele se serve dessa precária constatação com a intenção de atenuar o ato racista perpetrado pela torcedora destemperada. Isto é, ela teria xingado o goleiro Aranha de “macaco” não por sua livre escolha, mas por obediência impensada a um estado de ânimo ligado ao “folclore do futebol”, estado de ânimo esse que seria como que infenso a qualquer norma de civilidade e cultura que viesse de fora do estádio de futebol.
Felizmente, a tese assumida por Cacalo, segundo a qual esse conceito-clichê da “cultura do futebol” gozaria de um regramento todo particular ou de um estatuto próprio, se torna a cada dia mais insustentável. Sua defesa do estádio como um lugar ou uma zona supostamente liberada, onde o torcedor-cliente teria o direito de se manifestar como bem quisesse, acaba justificando uma série de agressões e imposturas: racismo como transgressão leve ou bem humorada, homofobia, pancadaria. Assim, para o senhor Luiz Carlos Silveira Martins, em nome desse tal “folclore” ou devido à “natureza” das coisas futebolísticas, dentro dos estádios estaríamos obrigados a aceitar toda a barbárie. Fora dos estádios, como em um passe de mágica, voltaríamos a ser democratas e tolerantes, acreditem.
O senhor Luiz Carlos Silveira Martins diz que não pretende grenalizar a discussão, mas quanto mais apresenta os seus argumentos mais visível se torna seu interesse em defender o clube do seu coração por todos meios, inclusive pelos meios ilícitos. Vejamos o seguinte: se “macaco” é uma expressão que indica genericamente o torcedor do Internacional, não incorporando por isso mesmo conotação racista, já que não se refere exclusivamente ao negro que é colorado, mas a todos os colorados, independente de sua origem étnica, assim, não houve, segundo Cacalo, crime de racismo, pois a conotação da expressão supracitada tinha essa tonalidade, por assim dizer, aceitável para o caso. Acontece que o goleiro Aranha, pelo menos até o presente momento, não é jogador do Internacional e não tem nada a ver com esse clube, portanto não caberia na extensão do conceito de “macaco”.
Como o raciocínio absurdo do senhor Cacalo consegue conciliar as duas coisas? Por um lado, “macaco” é o apelido com que o “folclore do futebol” acabou por designar os torcedores e jogadores colorados, por outro lado, “macaco” é um insulto racista dirigido sem sombra de dúvida aos indivíduos negros.  Ainda que seja impossível qualquer conciliação, seria melhor essa tentativa do que levantar suspeitas sobre a integridade moral do goleiro Aranha. O senhor Luiz Carlos Silveira Martins sugere que Aranha provoca esse tipo de situação. O jogador do Santos incitaria a torcida adversária a fazer insultos racistas contra a sua própria pessoa. Como assim? Cacalo afirma levianamente ter uma espécie de folha corrida do jogador, na qual constaria uma série de episódios similares. Se for para livrar o Grêmio de uma eventual punição, azar é do goleiro, negro.

Felizmente, a decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) excluindo o Grêmio da Copa do Brasil revelou que não foi inspirada por argumentos invertidos como esses do senhor Luiz Carlos Silveira Martins. Sei que ainda cabe recurso, a decisão não é definitiva, mas o escore de 5 a 0 dos auditores em favor da punição me parece muito mais significativo para a constituição de nossas identidades do que o outro de 7 a 1 que, não faz muito, levamos da Alemanha.

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