O poeta, já há algum tempo,
vem experimentando a realização do que eu chamo de “poema-livro” ou, em outras
palavras, Marlon vem exercitando o poema longo em parcelas, seu foco compositivo
vai a contrapelo da mera reunião de poemas sem um fio condutor. Isto é, Arrastão e outros poemas é um livro de
poemas com um “tema de fundo” ou com uma invariante discursiva, coisa nada
comum no acervo das obras poéticas de nossa tradição.
Além disso, o conjunto
apresenta variedade de ritmos e cadências: formas breves, versos cuja síntese
alude ao linguajar popular e à estética da letra de canção. A simplicidade de
alguns poemas é enganosa, pois ela tem o caráter do dramático. Neste sentido,
não é o poeta quem fala através de uma máscara, mas a própria persona assume o primeiro plano como
esse ser de linguagem que se desvela nos atos rítmicos e imagéticos da cena.
O narrado e sua
escassez são apresentados por Marlon de Almeida apenas na figuração dos momentos-metáforas mais intensos, como que a
sugerir – agora mais à maneira fílmica que teatral – o entrecho do drama.
Com efeito, Arrastão e outros poemas,
faz as vezes de um ideograma coral de personagens, por isso, arrisco dizer que
o conjunto é também, em certa medida, um recitativo dramático, porém marcado
pela elipse do cinema. Esse investimento em uma voz dramática lato sensu se configura em outra
novidade se levarmos em consideração o contexto de nossa época.
Excertos de Arrastão e outros poemas:
Todos os dias de chuva
varal estendido na rua
foram passando os anos
roupa estendida
encolhendo
todos os dias e panos
foram ficando pequenos
*
Havia na mesa feijão,
arroz e panquecas.
Para de noite, a sobra.
Patroa quer e é bem
dela.
A mim, coube a sobra da
sobra
e uma caneca de água.
Como em silêncio na
copa.
É foda.
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