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questões de linguagem

www.verbavisual.blogspot.com

Segundo Wittgenstein, os “problemas filosóficos” são produzidos quando o que deve ser silenciado termina por ser dito. O que pode ser expresso com clareza, sem erros (ou riscos) de linguagem (afasias) não seria, portanto, poesia. Por outro lado, diz-se com uma certa insistência - o que, aliás, deveria nos conduzir a uma suspeição ou resguardo com relação ao aspecto avassalador da afirmativa que segue - que a poesia “diz o indizível”. Mas, se Wittgenstein tem razão quando afirma que “acerca daquilo de que não se pode falar, deve-se silenciar”, como emprestar credibilidade ao supostamente indizível que a linguagem poética materializaria no lance de sua invenção? Efetivamente, a poesia diz o indizível? E como, em caso afirmativo, ela o diz?

Comments

Anonymous said…
mano, a poesia só diria o indizível se for vista por um preconceito "logocêntrico". o que ela "diz" pode não ser traduzível em palavras. mas, e daí? quando um poema "mexe" com a gente, sem a gente poder explicar, ele está, sim, dizendo algo. afinal, nem tudo o q não pode ser explicado hoje, vai ser eternamente inexplicável. o "primeiro" peirceano explica tudo... ou quase.
abrações
Marcelo Novaes said…
Oi, Ronald,

Nosso amigo Paulo Toledo foi pela trilha peirceana que eu, sumariamente, traduziria assim ( isso, também, é uma morfologia e genealogia da linguagem): a interjeição precede os verbos ( primeiridade e secundidade peirceanas), que precedem os nomes e adjetivações ( terceiridade). Bom, nesse caso, o fazer poético seria algo próximo do comunicar as interjeições primeiras, as epifanias. O sentimento quase indizível ( "balbuciável" ) "de se ver um raio caindo pela primeira vez e incendiando uma árvore de terebinto", por exemplo. Ou constatar o "absolutamente outro", o "completamente diverso" de um céu sem extensão ( o que causou pânico-assombro-deslumbramento nos astronautas, em proporções variáveis, até nevrálgicas, para muitos deles ). Esse é o Númen, o numinoso de Rudolf Otto. Penso que a poesia pode criar aproximações com essas "interjeições primeiras", com esse "olhar refrescado" que se tem na infância, na fase pré-nomeação-em-direção-aos-nomeáveis.E quando ela arrasta / contra-arrasta a significação ( na contra-mão de nosso processo de pasteurização dos termos e significantes ) do nome para o verbo, do verbo para a interjeição, do processo secundário para o processo primário ( agora falando psicanaliticamente).., quando ela raspa a camada de esmalte que constitui o ego para recuperar a linguagem do sonho ( linguagem da vida, até sermos despertos como um Buda, sendo que o ego "só dá uma ajeitadinha nisso", no sonho acordados que vivemos, todos, invariavelmente...)...; quando ela explicita isso ( e a explicitação é meio-antídoto para a ultrapassagem semântico-afetiva, por si só...), acho que ela já cumpre o ofício / direito / estatuto de ser-poesia.


Abração,




Marcelo Novaes
Marcelo Novaes said…
Como sei da vertente de exploração da linguagem adotada por vc e Paulo de Toledo, quero colocar um adendo."Concretismos e desconstruções" estão inclusas nessas possibilidades aventadas por mim. Mas não só isso. Uma prosa poética oniróide ( Cortázar) ou recuperadora de plurissignificações semântico-sintáticas, uma reconstrução da linguagem a serviço dessa "exploração das posibilidades do dizer" ( Guimarães Rosa ) preencheria, ao meu ver, perfeitamente esses requisitos estético-poéticos (estético-epistêmicos)listados acima. Caso se considere, neles, alguma validade. Ainda que se tratasse de poesia-em-prosa, ou "prosa poética"...

Só pra concluir.



Thanks e abração,




Marcelo.
Cândido Rolim said…
Caros, questiono. “o que deve ser silenciado” não teria nenhuma leitura? essa eleição não já pressupõe um "conhecimento"? A princípio, desbancando um pouco esse privilégio epifânico da poesia, acho que tudo pode ser dito, com a ressalva de que o produto dessas proposições, descrições (não explicações), leituras se resolverão no terreno crispado da experiência-texto. Sob esse aspecto, a rigor a interjeição já seria verbo. Informe, mas verbo; o pasmo é uma experiência verbal. O abandono lingüístico do “que pode ser silenciado” até certo ponto assemelha-se a uma fuga epistemológica ou, vá lá, lingüística. Uma desistência-limite a meio caminho da rede imagética que a própria linguagem nos proporciona. Não creio que o filósofo austríaco tenha evitado esse impasse. Como se sabe, ele direcionou sua “terapia gramatical” contra o alvo das reificações, suas construções numinosas. Conceder à linguagem poética poderes para “dizer o indizível” me parece conceber uma “gramática dos estímulos”, o que evitaria por enquanto. Afinal, a “beleza”, a perplexidade, geralmente são construções particularíssimas. A contingência um pouco idiossincrática do “poético” aconselha o uso modesto das generalizações do tipo e é possível perceber no estatuto do indizível e em suas reproduções xamânicas uma sutil impostura.
Afinal, muitas das incompatibilidades (e impossibilidades) físicas da experiência se resolvem, se dissolvem ou se configuram antes, desde e na cisterna da linguagem. E muitas vezes ainda não dispomos de repertório suficiente para acessar estrutural e linguisticamente um fenômeno que nos é familiar, enfim, que nos pertine sem necessidade de ser comunicado. De nada, ou pouco valerá ao poeta arquitetar essa “emoção sem forma” no papel se ela não resultar fruível a uma leitura não coincidente com aquele estímulo. E, infelizmente ou não, é isso o que cabe e interessa no poema.
Não abriria mão também de dizer que na nossa tábua de convenções, há arranjos verbais racionalmente intransponíveis que, ao fim, são solucionados, suspensos, adiados, através de um lance arbitrário e criativo do poeta, o designer da língua.
O assunto continua.
Abração a todos.
Cândido.

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