Mais do que lance bem urdido de manipulação de linguagem, a palavra-montagem “solecidades”, que serve de título ao livro de estréia de Ronaldo Machado, aponta para a estrutural relação desse poema em parcelas do nosso século, com as falhas - no sentido de “fissuras” -, com os fragmentos e com as errâncias constitutivas das controversas personae poéticas do alto modernismo, localizadas no já recuado século passado.
O poeta faz o seu périplo através desses espaços de dissonância e sentido (ou de sua ausência), e sem desligar os pulsos da memória pessoal, mas num registro menos épico, focalizando a atenção nos arrabaldes e em suas “indecifráveis histórias” com um olhar lírico-imagético a percorrer estes “restos da cidade” transliterados a partir dos despojos discursivos de seus precursores. Entretanto, o leitor atento perceberá que Ronaldo lida menos com os topos do que com os tropos: “Na pedra/ palpita a pele abstrata da palavra:/ corpo estendido no vazio” (pág. 16). Em Solecidades, a cidade desmaterializa seu esqueleto feito de passagens, rede de textos-instalações. O poeta incorpora o tom crítico e a lucidez auto-irônica de uma linguagem que negocia e negaceia sua condição de texto relativizador - no sentido forte de pôr-se em relação.
Ronaldo Machado, através de Solecidades, promove uma interpretação contemporânea de certos dados do legado poético, seja recente, seja remoto, com a intenção de materializar, na vital volatilidade do aqui, esboços inventivos implicados numa tradição em processo.
(trechos do artigo "Através de Solecidades")
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abração
Cândido.