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Showing posts from 2016

uma espécie de cafetão

o poeta que canta “a mulher isso a mulher aquilo” eu deveria dizer o homem que goza do privilégio de cantar “a mulher isso a mulher aquilo” esse mesmo que, preclaro em sua condição de lobo bobo, se autoproclama um degustador e entusiasta do vinho fino do corpo feminino como se o conhecera como a palma de sua mão de punheteiro aquele mesmo cujas metáforas gineco-anacreônticas substituem por rebaixamento “a mulher isso a mulher aquilo” que ele imagina cantar como ninguém, comer como ninguém o decrépito que faz publicidade “a mulher isso a mulher aquilo” desses corpos esse um uma espécie de cafetão e mentor do estupro edulcorado essa coisa que as minas já calculam de longe a merda que vai dar tão logo o traste trasteje “a mulher isso a mulher aquilo” toada de toureiro calvo e renitente cuja arte perdeu o sentido para muitas e para outros exceto para ele mesmo abandona o canto a esse corpo que não te pertence o erotismo de trocadilho, o es

sonido nuevo y ondulante

La poesía puede devolvernos ciertos rituales que fueron reino, hace muchos siglos, de lo contemplativo que ahora, casi, agoniza. Me imagino a Ronald sentado a  la orilla del mar, fiel secretario de los rumores de toda esa inmensidad. Lleva el dictado con paciencia y luego escribe notas que pueden ser llevadas por los pájaros a los cuatro puntos cardinales. Sorbo el éter lluvioso,/endomingado de pasado . Me dice una de las aves que llega a posarse en mi ventana, frente a otra infinidad del mar. Al leer estos sutiles textos no puedo dejar de recordar al poeta hondureño Nelson Merren en su poema  Paisaje con un tronco podrido,  y hago el silencio necesario para lograr la conjunción de estos poetas que dialogan desde distancias temporales lejanas y profundas. Cada vez que respira,/ el mar lo mueve un poco,/ lo tira más allá,/ luego lo trae,/ y lleva horas en esto.   Es lo que dice Nelson Merren para que Ronald Augusto le responda: Vagas espurcas como um cuspo que retroagisse à

Retendre la corde vocale: uma antologia

No dia 14 de outubro de 2016, em Grenoble (comuna francesa e capital do departamento de Isère, na região do Ródano-Alpes), será lançada a antologia   Retendre la corde vocale: anthologie de poésie brésilienne vivante.   A obra   é organizada e traduzida por   Patrick Quillier, poeta e ensaísta.  Quillier, além de Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Nice, é organizador e um dos tradutores de   Œuvres poétiques   (2001) de Fernando Pessoa lançada na coleção  La Pléiade da editora Gallimard . Editada e publicada pela   Maison de la Poésie Rhône-Alpes , em Grenoble, a antologia  Retendre la corde vocale: anthologie de poésie brésilienne vivante   reúne uma série de poetas contemporâneos (nascidos entre os anos de 1930 e 1980) escolhidos por Patrick Quillier, além dos nomes de Ferreira Gullar, Augusto de Campos e Sebastião Nunes, estão, entre outros mais jovens, os poetas Leo Gonçalves, Josely Vianna Baptista, Régis Bonvicino, Edimilson de Almeida Pereira e Ricardo

um no inverno, dois no verão

um no inverno, dois no verão Valeu a pena esperar, Mergulhado na sombra quase gélida, Até ver o sol outra vez aparecer, caindo, Nesse espaço entre a copa e O horizonte mal delineado, Com sua chama exausta. Em boa hora. * sexta-feira entrei nas águas de gamboa com minhas guias uma rubro-negra, de exu a outra de oxalá, guia branca do dono do pano branco então veio uma onda, era uma vez, que levou engolindo a guia de exu o que desamarra os caminhos mas não esses fluctissonantes da alvura praieira de oxalá * gamboa, passada a hora do almoço um sol de acácias o pestanejar do arvoredo arranha em vão o bafo da tarde à distância cicia a brancura do mar

agora no inverno

agora no inverno [pra Denise] O sol nem deu as caras, meu bem desperta pondo seus pés pequenos dentro da treva da madrugada úmida, onde dormimos. Pouco antes de sair beija o menino. * [da Denise pra mim] Enquanto sol percorre o teto céu Meu bem maior bem longe o paço faz Mal deita o astro à esquerda amor me traz Ao sol aceso e bom do beijo teu.

por via da linguagem

A poesia não existe, o que existe é a obra do poeta. Seu percurso poético-textual; seus poemas. Quando pensamos em poesia devemos pensar na linguagem de alguns poetas. Isso sim é verificável. A ideia ingênua ou romântica de poesia, isto é, a poesia antes do poema (forma verbal), é que está na base dos nossos primeiros exercícios poéticos: quando começamos a escrever tentando imitar uma imagem consagrada de poesia (que se aproxima do escrever bonito que lança mão de frases excessivamente adjetivadas e que são quase que o decalque das nossas emoções). Por outro lado, mesmo o poema, esse objeto verbal que visa a um efeito estético e a uma deriva semântica, não é um vaso sacrossanto que guarda, como num passe de mágica, o fugidio instante poético; o poema, segundo Octavio Paz, é essa máscara que oculta o vazio, em outras palavras, o poema é linguagem. Toda a aventura da criação poética, todas aquelas definições que nutrimos a respeito do fenômeno poético devem ser testadas por v

octassílabos

erra em ondas meu pensamento pelos ângulos do lugar as paredes brancas de nada um corte transversal, solar as cortinas se mantêm feias esse plissado industrial essa cor, de ordinário, pálida dão a tudo um quê de oficial o rumor ar condicionado piso de hospício sem ranhuras ou de laboratório clínico quadrículo infenso à cultura no entanto aqui a estudantada faz o exame vestibular cumprindo seu rito de classe visando além ser dr. k. poucos negros, quase nenhum, entre os que se curvam às provas isso parece confirmar: não deviam passar da porta [12 de janeiro de 2016]

cazé e os pequenos insetos da afeição

os microafetos transfigurados em poemas wladimir cazé e sua poesia de microshapes o exoesqueleto da métrica infusa no inseto áporo do verso jamais livre jamais abandonado ao capricho da mera rixa com o caro virtuosismo pós-cabralino e nem por isso a incúmplice desafeição ao ácaro dos ritmos inumeráveis da memória oral mas os decassílabos esdrúxulos [ao menos entendedor: em esdrúxulas ] onde perseveram traças tracejados de percevejos em troças severas toda sorte de sórdidos animaizinhos dos cantos encardidos atrás de cômodas sob camadas de pó de pele velha enquanto os mais titãs ao longe de viés cuidando caterva geração ícaros jandaia e migração tudo à contrapelo dessa fauna miúda em faina muda com quem concerta cazé