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Showing posts from 2014

A justaposição de vozes dramáticas em Arrastão e outros poemas

O poeta, já há algum tempo, vem experimentando a realização do que eu chamo de “poema-livro” ou, em outras palavras, Marlon vem exercitando o poema longo em parcelas, seu foco compositivo vai a contrapelo da mera reunião de poemas sem um fio condutor. Isto é, Arrastão e outros poemas é um livro de poemas com um “tema de fundo” ou com uma invariante discursiva, coisa nada comum no acervo das obras poéticas de nossa tradição. Além disso, o conjunto apresenta variedade de ritmos e cadências: formas breves, versos cuja síntese alude ao linguajar popular e à estética da letra de canção. A simplicidade de alguns poemas é enganosa, pois ela tem o caráter do dramático. Neste sentido, não é o poeta quem fala através de uma máscara, mas a própria persona assume o primeiro plano como esse ser de linguagem que se desvela nos atos rítmicos e imagéticos da cena. O narrado e sua escassez são apresentados por Marlon de Almeida apenas na figuração dos momentos-metáforas mais intensos, c

Armindo Trevisan: a poesia nua diante de seus celibatários

Armindo Trevisan, com Adega imaginária , seu mais recente conjunto de poemas, segue mantendo retesado o arco da lira. Por essa razão sua poesia permanece contemporânea, isto é, ela não tem essa propriedade tão só porque está sendo feita agora, não é acidentalmente contemporânea, mas, antes, essencialmente contemporânea, porque Armindo Trevisan atualiza e redimensiona no presente as tradições, as formas e os temas caros aos poetas de sua geração. Ao mesmo tempo oferece à poesia mais jovem um tom filosofal e especulativo, coisa que se relaciona intrinsecamente à sua condição de lúcido homem velho, de poeta velho, mas que, ao modo anacreôntico, envelhece e continua amando. Trevisan aprendeu que o poema quer ser amado, mais do que decodificado. Adega imaginária evoca reflexões estéticas e metafísicas, sem deixar de lado o amor dos cinco sentidos. E tudo isso por meio de uma linguagem que depura a metáfora (recurso importante para Trevisan) a seus elementos essenc

mais além das personae

dois livros que consegui não faz muito tempo e os dois representam aparentemente tudo o que menos me agrada um é de haikais (mas não), 29 de marcos messerschmidt o outro é de sonetos (mas não), quarenta e uns sonetos catados de alex simões mas para a minha grata satisfação esses poetas e seus livros não cumprem o que prometem ou melhor cumprem o essencial: além ou aquém de um circunstancial reconhecimento – que felizmente parece não lhes interessar – de um como persona -haijin e de outro como persona -sonetista o que vale mesmo é que são bons poetas e experimentando as valências expressivas dessas formas da tradição e na medida do possível acrescentando algo de singular a elas quarenta e uns sonetos catados de alex simões: desde o seu surgimento até agora as tramas métricas e rímicas do soneto continuam quase as mesmas o que muda e mudará sempre é o tom e a sintaxe alex simões com esse seu conjunto de contrassonetos não perde de v

o calafate cristiano moreira, poeta

o calafate o que faz veda os vãos as fissuras entre as tábuas das naus à força de estopa e algodão com alcatrão o calafate míope metáfora do poeta háptico que palpa num afazer de afasias seus breves e compactos instrumentos seu bateau ivre à deriva a tarefa arquetípica de emprestar sentido ao nomeado mas a mareada náusea o impreciso feito preciso “os rostos no lodo da margem” borram por sua vez o desenho do poeta cala- fate fátuo ficto (a música do cais fungível e indeterminada o silêncio mais essa palha espessa) o marulho da memória o mar-rio grande bulindo com as duas cidades coxas de mulher oleosa baita livro-trapiche de poemas (em contraponto com fotogramas de prosa) do cristiano moreira lido agora depois de 5 anos quieto entre outros volumes                          

fignans [completo]

el hacedônio

festival de poesia latinoamericana bahía blanca #2

as mulatas do chacrinha-falabella

assim como aconteceu no episódio de racismo contra o goleiro aranha onde, a partir de um certo momento, os que se posicionaram a favor da aplicação da lei punindo os ofensores, paradoxalmente, começaram a ser demonizados porque não perdoaram a torcedora racista, agora, então, começa a se erguer uma onda de apoio ao seriado "sexo e as negas" seguindo quase os mesmos moldes. em troca de uma exposição (ou de uma visibilidade) ainda que não a ideal da imagem do negro para uma audiência mais ampla e graças à capacidade de barganha e de sedução (ou de chantagem) da emissora que patrocina a série, muitos já começam a ver com bons olhos as peripécias das novas mulatas do chacrinha-falabella. o pragmantismo da cultura das celebridades aceita tudo, essa propriedade já não é mais exclusiva do papel. assim, negros e brancos que preferem não transigir com a suposta vantagem que teria sido alcançada pelos ou para os negros com a série (na verdade se trata de uma exceção que conf

aranha versus racismo

Proêmio Que seja leve mais essa pá de cal lançada sobre o gesto inócuo do jogador Daniel Alves que resolveu comer a banana do racismo. Por ironia propus em minha página no facebook que o senhor Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, ex-presidente do Grêmio, fizesse jus ao troféu “Imbecil da Semana” por afirmar recentemente em um programa de rádio que ofensas raciais fazem parte do “folclore do futebol”. Tudo bem, esse senhor tem o direito de afirmar o que quiser, o problema é que a sua afirmação não dá a menor atenção à questão do preconceito naturalizado no interior da sociedade brasileira, pelo contrário, acaba mesmo por reforçá-lo, pois ele se serve dessa precária constatação com a intenção de atenuar o ato racista perpetrado pela torcedora destemperada. Isto é, ela teria xingado o goleiro Aranha de “macaco” não por sua livre escolha, mas por obediência impensada a um estado de ânimo ligado ao “folclore do futebol”, estado de ânimo esse que seria como que infenso a q

tópicos sobre os brancos

Brancos são aqueles tipos que aparecem nos comerciais. Ao contrário do que acontece com não-brancos, a presença de brancos nas peças publicitárias não precisa ser justificada. Brancos: a rigor não existem, os comerciais é que lhes conferem existência. A máxima segunda a qual um produto que tem um branco como garoto propaganda é sinal de que o produto será bem recebido, só se justifica pela preguiça, pelo cansaço e pelo preconceito. Brancos são universais, jamais particulares. Para os brancos qualquer um que se afirme não-branco comete um crime de lesa humanidade, afinal todossomoshumanos. Tenho amigos brancos. São engraçados. A branquitude dos brancos é cega. Brancos dizem: “você sabe com quem está falando?”. É branca a mão em close up que passa o cartão de crédito. Nas cartilhas de lógica consta: “Sócrates é branco”. Brancos não aceitam ser coadjuvantes. Pagam seus impostos e fazem questão de publicar isto. Se autoproclamam brancos, mas

a permanência do sentido

O intruso é um grande talento em forma fixa inventado pelas regras sociais do século XII, e patrocinado provavelmente pelo senhor Danielo. É ainda um espécime típico do know-how conteudístico da Provença. A forma do intruso se caracteriza por uma “magreza” de expressão atinente à envergadura do seu físico. Gestos e recursos disponíveis ao vulgo não lhe são particularmente apreciáveis a ponto de levar a cabo o discurso mundano do seu comportamento. A extrema limitação de meios e a estrutura recorrente com que fia aos outros sua empresa pessoal, criam uma série de desafios à imaginação do observador. Vejamos: o sotaque ortodoxo dispõe-se em enunciados leves, medidos por tomadas de fôlego emprestadas ao envoi mais convencional; os tabuísmos terminam não em risos propriamente ditos, mas em safadezas-riso que obedecem a uma distribuição padronizada: a última safadeza-riso de cada cogitação pública se repete no final da primeira cogitação da réplica seguinte. As palavras chulas

último refúgio

o patriotismo da redução da maioridade penal porque o patriotismo da cura gay o patriotismo separatista do gaúcho fanfarrão porque o patriotismo do livre mercado o patriotismo anticotas raciais porque o patriotismo das tvs abertas o patriotismo da claudia leite o patriotismo do jornal e o do jornalismo que disputam o qualificativo “barato” na esperança de falar ao desejo do leitor porque o patriotismo do esquenta o patriotismo do punho cerrado porque o patriotismo do linchamento o patriotismo da esquerda porque o patriotismo da direita o patriotismo das celebridades indignadas porque o patriotismo da malandragem brasileira o patriotismo que na busca pela rapidez e pela precisão força a catalogação de cada palavra na faixa mais estreita de seu significado o patriotismo da igreja porque o patriotismo dos evangélicos o patriotismo dos black blocs porque o patriotismo dos sindicatos o patriotismo da miséria porque o patriotismo do gari-pass

depois é tarde

Depois da excessiva caridade interpretativa dispensada ao gesto (tido e havido como antropofágico) de Daniel Alves e, de resto, a contrapelo das motivações - segundo o próprio jogador -,  casuais e quase evangélicas que o levaram a cometê-lo; depois de o debate sobre o preconceito racial quase ter se transformado num quadro do Zorra Total ou do Esquenta , graças à adesão festiva dos macacos brancos,  tanto os célebres, como os não célebres, à estúpida hashtag ; depois de o cinismo ideológico da atitude classe média apresentar a devoração da banana como um gesto superior às denúncias e aos discursos contra o racismo (já que estes teriam se tornado monótonos), por ser inovador e não indicar mácula de irritação, mas, sim, de maturidade e de espírito transcendente; depois de o torcedor-quem do Villareal , autor do ato contra o jogador Daniel Alves, ter sido exemplarmente punido (seus ingressos para a temporada foram suspensos e seu acesso ao Estádio El Madrigal foi perm

tópicos sobre o negão

Todo branco tem um amigo negão que é gente finíssima, uma simpatia e super divertido. Negão é uma pessoa que sempre é chamada de “negão”, e esta pessoa jamais será referida por qualquer outro nome como Pedro, João, Aires. Parece não haver nome que grude à sua pele. Todo negão tem vários amigos brancos que se orgulham de não ser racistas, tanto que, numa boa, tratam o amigo negão referindo-se a ele assim “o negão”. E ele não vê problema nenhum nisto. Todo negão é um blackface . Sua ginga é superestimada e inigualável. Todo negão está detido em si mesmo. Todo negão quando volta para a sua quebrada encontra outros idênticos a ele e todos entre si se tratam por “negão”. Todo negão não pode deixar de ser negão. Quando esta essência está em risco, sempre surge alguém para chamar sua atenção com a seguinte frase: “ah, para com isso, negão!”. Mussum é o negão que todo branco gostaria de ter a disposição em sua casa para animar as festinhas. Quando éramos criança

Para as cinco ou seis pessoas que me leem

O mais perto que cheguei de B., foi na oportunidade de entrega do Prêmio Novidade Literária de 1800 e alguma coisa, em solenidade num hotel luxuoso nas imediaçãos da zona rurbana da cidade, se não me engano. Um conto meu fora escolhido como um dos destaques do mês. O concurso durava acho que um ano inteiro premiando e destacando dúzias de escritores, e esse conto acabou por fazer parte da antologia do concurso em que B. era um dos jurados. Lembro de ter pedido à minha mãe, que me acompanhava, para arrancar um autógrafo a B. (feito um menino vaidoso, ficara envergonhado de solicitar-lhe diretamente). Com a antologia do concurso nas mãos lá se foi a senhora, orgulhosa, em direção ao mestre. De longe, vi quando minha mãe se aproximou dizendo alguma coisa; em seguida ele tomou o livro de suas mãos e escreveu a dedicatória. Não tenho mais esta obra. E, a bem da verdade, quem me jogou para a prosa nem mesmo foi B., aliás, embora reconhecendo sua grandeza, sempre me senti melhor ap