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rasuras marginais à carne falsa




patrícia, a prosa nervosa de carne falsa. às vezes esse convite à
colaboração do leitor. mas depois, caso esse mesmo leitor ninguém
se recuse ao desafio, a autora dá-lhe um piparote.
portanto, uma hostilidade enviesada na construção do texto, uns trancos
inesperados, umas minúsculas
emboscadas no logos da narrativa, uns cortes mallarmaicos
que revelam espaços gráficos.

os eles e elas, mesmo que mais ou menos prototípicos, se
esfacelam em vaginas, sêmen, calcinha, gastrites, prédios acesos no escuro
estelar, habitáculos do absurdo.
e às vezes deparamos o epos resolvido numa linha que se rompe, de repente,
contra a brancura da página, um respiro. esses contos de uma linha não merecem
o nome de minicontos, são o acento átono, a pausa a contrapelo da redundância
novelística, contra a qual patrícia investe.

e o eu de sua prosa, a voz lírica, lúbrica, é mais a presentificação
no solo duro da linguagem do solilóquio de um ego scriptor do que
qualquer outra coisa. esse excerto “vive na craca incrustada no tédio”, a nervura
dessa prosa imagética como “faca de desossa”. a analógica serial 
de pesadelos narrados à maneira de anedotas cruéis, habitados
por personae de bosta, uma gente cheia de intestinos, colocações,
tropeços, gente “azul de tão burra”.

carne falsa, cadafalso ao prosaico bipolar, da tragédia do
herói míope “com olhos de sobrevivente de auschwitz”.
os excessos em carne falsa entram na conta de acertos.
excessos: o apetite em ser foda na escritura; a proximidade liminar com o poema;
a transformação do leitor em sparring; a fragmentação, etc.
são acertos porque a escritora dispõe deles com uma pegada autêntica,
não restando, portanto, nada de decorativo em sua utilização.
é isso: patrícia galelli.
meu abraço (e assino embaixo pois é livro bom),
ronald







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