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DECADÊNCIA DAS CONQUISTAS





DECADÊNCIA DAS CONQUISTAS

estou um nó neste lugar o que é
    ocasião de me ver em grande aperto
e por este respeito todo o meu
    pensamento e o que mais sendo sério
pude entesourar de tal contingência
    que por mim mesmo resolvi tentar
meu exílio tem de largo e comprido
    a medida de uma vida sem paz

quando mudei o tempo concedeu-me
    alma nova pois nela não havia
mais que pastor de gado sem remanso
    que fica preso à terra e à família
e faz vistagrossa a outras terras
    e outras borrascas para as quais
as gentes de mar vão em amanhecendo
    a pontos onde ninguém com sinais

agora acho-me num destes pontos
    e espanto o quanto posso a ponta
de arrependimento que me chaga
    e embrulha-me semelhante a onda
tive vista de muitos desesperos
    moribundos dobrando a vigilância
baratas besouros e gafanhotos
    monstros pensativos pontas de lanças

noites que despertei alvoroçado
    ouvindo portas baterem ruídos
passos ríspidos subirem a escada
    macas que exalavam mil gemidos
sobrelevava a grita infernal
    medonha que fazia crer ali
toda a selvageria do lugar
    tive vista de tudo que não quis

estive junto ao sujeito que sonha
    que o enterraram vivo e desperta
a ouvir chilros de aves e árvores
    quase no balcão da janela certa
inverossímil (se fosse a de outro)
    que a morte não soubesse por que nesga
derramar-se com vulto macilento
    e conduzisse qualquer sem legenda

apronto-me cosido com o solo
    nariz metido em bosta de cavalo
coisa coleante indo a buraco
    vala cratera intruso vassalo



[Confissões Aplicadas, 2004]

Comments

denise freitas said…
Coisa bem boa é ler um poema de qualidade, ler texto bom, cheio de linguagem que faz pensar e ver e até sentir; mas não o sentimento meloso e brega que se atribui por aí à poesia. Como se dizia antes, uma pintura.

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