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ao debate

“me convidam para um debate por causa da minha literatura ou por que sou negro?” quando convidam um escritor não-negro para participar de uma mesa, aparentemente é por causa da sua literatura; porém ele é convidado justamente por ser não-negro, porque ele é um igual, porque não é considerado um corpo estranho, porque os envolvidos querem se reconhecer no sujeito que vai palestrar para eles; talvez tudo aconteça desse jeito, isto é, sem que ninguém desse círculo de mesmidades pense a respeito, por simples e cruel inércia; talvez. quando convidam um escritor negro para um debate é por causa de sua literatura e porque ele é um sujeito que combate o racismo onde quer que se apresente. quando convidam um escritor negro para compor uma mesa apenas por causa de sua obra, é porque nem ele nem a curadoria sabem que se trata de um negro.

a caminho

1 à custa de uma ideia rebaixada não logrei mais do que este entardecer e esta aldeia de áscuas sujas à exaustão diante de suas portas – sem número determinado, seguramente mais do que duas, com o obséquio de não ultrapassar uma dezena – uma luzerna feroz sorriso bramoso no quadrículo do guichê cuspo de barítono trifauce que esbarra o andar de quem vem deparar sem aviso do lado de lá do farpado a visão da piranha que nos há parido sua sombra gaiata desprovida de sombra ainda não é o mais duro ou coroável matar saudade e soledade abraçando-se três vezes (reiteração) a todo o seu vazio de morta ainda não é o que mais pode o hades esta aldeia que se presta a tigela escura ideografia onde a animalha ínfera vem beber do meu remorso infuso no caldo da indesejada deia das gentes 2 ao apartar a cunha da árvore o verde debaixo das unhas intérprete do rugitar de oito sílabas no côvado de lado da velha cantica inci...

nem mercado editorial nem redes sociais

A afirmação segundo a qual a literatura se esgotou ou se resolve, hoje, nessa trama de reconhecimentos recíprocos do facebook, me parece uma generalização indevida; trata-se de afirmação recorrente (o genérico da aposta em um quadro de falência de algo) que agora dá as caras mais uma vez e, como de hábito, costumizada aqui e ali. Felizmente, a literatura é coisa muito mais complexa. Sou da opinião, inclusive, de que ela não se confunde nem com o mercado editorial, nem com as redes sociais. Podemos estabelecer relações entre essas realidades, podemos até mesmo sucumbir circunstancialmente diante de certo estado de coisas, mas tanto o mercado, como o facebook, são segundos em relação à literatura. Isto é, devem ou deveriam ser coadjuvantes no processo. Na década de 1950 os poetas concretos (ou ao menos três deles) deram por encerrado “o ciclo histórico do verso”. Recentemente alguém decretou o fim da história. Alguns artistas e/ou fast thinkers têm essa mania de tentar projetar s...

uma espécie de cafetão

o poeta que canta “a mulher isso a mulher aquilo” eu deveria dizer o homem que goza do privilégio de cantar “a mulher isso a mulher aquilo” esse mesmo que, preclaro em sua condição de lobo bobo, se autoproclama um degustador e entusiasta do vinho fino do corpo feminino como se o conhecera como a palma de sua mão de punheteiro aquele mesmo cujas metáforas gineco-anacreônticas substituem por rebaixamento “a mulher isso a mulher aquilo” que ele imagina cantar como ninguém, comer como ninguém o decrépito que faz publicidade “a mulher isso a mulher aquilo” desses corpos esse um uma espécie de cafetão e mentor do estupro edulcorado essa coisa que as minas já calculam de longe a merda que vai dar tão logo o traste trasteje “a mulher isso a mulher aquilo” toada de toureiro calvo e renitente cuja arte perdeu o sentido para muitas e para outros exceto para ele mesmo abandona o canto a esse corpo que não te pertence o erotismo de trocadilho, o es...

sonido nuevo y ondulante

La poesía puede devolvernos ciertos rituales que fueron reino, hace muchos siglos, de lo contemplativo que ahora, casi, agoniza. Me imagino a Ronald sentado a  la orilla del mar, fiel secretario de los rumores de toda esa inmensidad. Lleva el dictado con paciencia y luego escribe notas que pueden ser llevadas por los pájaros a los cuatro puntos cardinales. Sorbo el éter lluvioso,/endomingado de pasado . Me dice una de las aves que llega a posarse en mi ventana, frente a otra infinidad del mar. Al leer estos sutiles textos no puedo dejar de recordar al poeta hondureño Nelson Merren en su poema  Paisaje con un tronco podrido,  y hago el silencio necesario para lograr la conjunción de estos poetas que dialogan desde distancias temporales lejanas y profundas. Cada vez que respira,/ el mar lo mueve un poco,/ lo tira más allá,/ luego lo trae,/ y lleva horas en esto.   Es lo que dice Nelson Merren para que Ronald Augusto le responda: Vagas espurcas como um cuspo ...

Retendre la corde vocale: uma antologia

No dia 14 de outubro de 2016, em Grenoble (comuna francesa e capital do departamento de Isère, na região do Ródano-Alpes), será lançada a antologia   Retendre la corde vocale: anthologie de poésie brésilienne vivante.   A obra   é organizada e traduzida por   Patrick Quillier, poeta e ensaísta.  Quillier, além de Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Nice, é organizador e um dos tradutores de   Œuvres poétiques   (2001) de Fernando Pessoa lançada na coleção  La Pléiade da editora Gallimard . Editada e publicada pela   Maison de la Poésie Rhône-Alpes , em Grenoble, a antologia  Retendre la corde vocale: anthologie de poésie brésilienne vivante   reúne uma série de poetas contemporâneos (nascidos entre os anos de 1930 e 1980) escolhidos por Patrick Quillier, além dos nomes de Ferreira Gullar, Augusto de Campos e Sebastião Nunes, estão, entre outros mais jovens, os poetas Leo Gonçalves, Josely Vianna Baptista, R...

um no inverno, dois no verão

um no inverno, dois no verão Valeu a pena esperar, Mergulhado na sombra quase gélida, Até ver o sol outra vez aparecer, caindo, Nesse espaço entre a copa e O horizonte mal delineado, Com sua chama exausta. Em boa hora. * sexta-feira entrei nas águas de gamboa com minhas guias uma rubro-negra, de exu a outra de oxalá, guia branca do dono do pano branco então veio uma onda, era uma vez, que levou engolindo a guia de exu o que desamarra os caminhos mas não esses fluctissonantes da alvura praieira de oxalá * gamboa, passada a hora do almoço um sol de acácias o pestanejar do arvoredo arranha em vão o bafo da tarde à distância cicia a brancura do mar